Informes

Notícias

Caminhos para melhorar representação da negritude na literatura

03/04/2023

Gustavo Bertolozo

Muitas vezes negligenciado, o povo negro confronta-se com barreiras na produção da literatura brasileira. Para pesquisadores, acadêmicos e escritores, um dos avanços necessários refere-se à representação: pretos e pretas ainda sistematicamente retratados em personagens secundários ou estereotipados. A universidade, lembra o professor Adair Rocha, constitui um espaço importante para se refletir sobre a redução das desigualdades no mercado editorial.

Na opinião dele, é preciso ampliar o acesso não à pluralidade de leituras, com mais obras e autoras(es) disponíveis, mas também ao debate em torno da representatividade negra no meio literário. “Fiz isso com o professor Augusto Sampaio (ex-vice-reitor Comunitário), quando o então secretário-executivo do Ministério da Educação Fernando Haddad (hoje ministro da Fazenda) foi à PUC debater formas de melhorar o acesso à educação, à pesquisa, à leitura. O ProUni é inspirado nessa proposta”.

Outra dificuldade refere-se propriamente à leitura, tanto em diversidade quanto em frequência. Quase a metade da população brasileira (48%) não tem o hábito de ler, aponta a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil.

Para a professora do Departamento de Letras da PUC-Rio Aza Njeri, a raiz desses problemas crônicos são precariedades educacionais. Ela ressalta a necessidade de alterar a centralidade da educação:

“Precisa ser feita urgentemente uma reforma diferente na educação. Talvez até uma revolução, que coloque no centro de sua agenda a nossa humanidade, os sujeitos. Enquanto esse centro não emanar a pluriversalidade que a educação abrange, continuaremos com os problemas de racismo epistêmico, de racismo estrutural”, alerta.

Além do compromisso com a diversidade, os esforços para ampliar a participação de pretos e pardos – 56% da população brasileira, segundo o IBGE – devem contemplar políticas comerciais mais inclusivas. O preço médio de um livro no Brasil beira os R$ 46, calcula a pesquisa Painel do Varejo de Livros no Brasil realizada pela Nielsen Bookscan e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros.  Edições mais acessíveis ajudariam, observa Aza, a melhorar a representação da população negra:

“Se a gente comparar o preço médio de uma obra literária, constatamos um grande peso no orçamento das famílias, bastante empobrecidas. Como combater essa barreira? Eu acredito que com comunicação e políticas públicas que facilitem o acesso aos livros”, sugere a professora.

Além das mudanças estruturais nas esferas da educação e do mercado, a sociedade precisa expandir as fronteiras do conhecimento. É o que propõe o professor Alexandre dos Santos, do Departamento de Relações Internacionais da PUC:

"Precisamos nos conectar com outras experiências narrativas. A diversidade envolve o direito de saber. Ao ter contato com outras experiências pelas quais talvez a gente nunca vai passar, a não ser pela leitura, ampliamos o nosso repertório de conhecimentos, a nossa visão de mundo”.

Neste sentido, a escritora Heloisa Reis, jurada do Prêmio Jabuti no ano passado, destaca a importância da Lei 10639, de 2003. Ao estabelecer o compromisso com o ensino da cultura afro-brasileira, favoreceu a pluralidade de abordagens e um olhar mais crítico sobre a literatura nos ambientes educativos.

“A lei é importantíssima porque mudou o ambiente educativo e o circuito editorial. A escola fingia que não havia racismo. A partir dessa lei, a qualificação e o trabalho dos educadores passou a dar mais visibilidade as contribuições da cultura negra, desencadeando uma série de ações que combatem preconceitos de grandes editoras. As editoras começaram a incorporar, com mais cuidado, as referência da cultura negra. Hoje, a autoria negra se sente mais à vontade para se colocar em circuitos como o Jabuti”, observa Heloisa.

Sem desconsiderar os obstáculos ainda no caminho da representação da cultura negra na literatura e no mercado editorial, Aza reconhece um caminho da negritude “em direção a aspectos positivos”. Ela ressalta que, com o avanço das pautas sociais identitárias, temáticas de raça e gênero têm recebido mais atenção e espaço “na literatura canônica”:

 “O interesse do mercado mudou, com mais visibilidade e profundidade para as pautas relacionadas à negritude. O mercado está mais interessado nesses assuntos. As grandes editoras passaram a publicar mais livros africanos, afro-diaspóricos e afro-brasileiros.”

O interesse crescente se expressa, por exemplo, em releituras dessas narrativas, frequentemente ligadas à educação:

“O Pequeno Príncipe preto do Rodrigo França é uma obra muito inserida num contexto de educação infantil. É uma releitura com uma centralidade filosófica e afro-diaspórica. Se a gente tem um livro, que é bom e que virou peça e enredo de escola de samba, sendo acessado na educação infantil, isso terá um impacto positivo também a longo prazo”.


PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
DO RIO DE JANEIRO

Rua Marquês de São Vicente, 225
- Prédio Kennedy - 6° andar Gávea
Rio de Janeiro, RJ - Brasil - 22451-900
Cx. Postal: 38097
tel. +55 (21) 3527-1144 • com@puc-rio.br