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Cineasta Alê Braga detalha bastidores do documentário "Mama África"

03/05/2023

O consumo de mídias hollywoodianas têm feito jovens africanos começarem a ver sua própria cultura de forma estereotipada. Eles não percebem mais a diversidade cultural da África e agem de acordo com o que observavam nas representações de filmes estrangeiros sobre o continente. A constatação do publicitário e cineasta Alê Braga, e de outros especialistas no assunto, conduziu o debate com professores, pesquisadores e estudantes da PUC-Rio, em 20 de abril, na Universidade. (Veja a íntegra em https://www.youtube.com/watch?v=Ue93w0rtuvc&t=532s.)

Organizado pelas professoras Elaine Vidal e Carla Siqueira, o encontro inspirado no documentário "Mama África" (2010), de Braga, reuniu também o cineasta e professor do Departamento de Comunicação Emílio Domingos e o professor do Instituto de Relações Internacionais Alexandre dos Santos. Depois da exibição do filme, eles conversaram sobre representações em torno do Continente Africano.

Alê Braga lembrou seus dois anos na África, quando os trabalhos audiovisuais desenvolvidos o ajudaram a "superar preconceitos". Ele contou que fez uma lista com os cinco principais estereótipos africanos para tentar desconstruí-los no documentário. Para isso, ele pensou em mostrar profissionais com atividades prestigiadas pelo Ocidente, como empresários e cientistas. Foi alertado, no entanto, de que a estratégia reforçaria estereótipos, ao invés de quebrá-los. Com a ajuda de um dos entrevistados do filme, Braga expôs, então, a realidade de atividades, pessoas e funções estigmatizadas, como as curandeiras. 

Seu tempo na África rendeu outras produções. O diretor de "Tá Rindo de Quê?" e "Rindo à Toa - Humor sem Limites" pontuou, aos colegas da mesa-redonda e ao público formado majoritariamente por alunos e alunas de Estúdio ds Mídia, como durante sua primeira produção lá foi repreendido por "ter um olhar de superioridade em relação aos africanos". Como é brasileiro, sugeriram que fizesse uma novela, formato popular também na África. 

Braga confrontou-se com uma certa escasez de profissionais de dramaturgia aderentes a esse projeto. Recrutou e qualificou colaboradores com experiência em teatro em escolas, igrejas etc. Também enfrentou três detenções, por ter se recusado a pagar propina policiais. Desafios não menos difíceis do que retratar culturas tão diversas num único documentário. Ele detalha a vivência na curta em entrevista concedida depois da mesa-redonda:

Como seus preconceitos sobre o Continente Africano se transformaram ao longo da produção do documentário?

Talvez o documentário não existisse sem isso. Acho que o único lado bom de ser um branco estrangeiro fazendo esse filme era que eu também era o esteriotipador. Eu tinha um papel nessa história de ter um estereótipo da África: quem via a África de uma maneira estereotipada era eu. Antes, tive a oportunidade de quebrar vários estereótipos vivendo com as pessoas e estando nos lugares da África. De certa forma, é uma autocrítica que gerou oportunidades para o roteiro. Logicamente, [o filme] poderia ter sido feito por uma pessoa local querendo mostrar o outro lado, mas acho que eu ajudei nesse processo.

Por que o nome "Mama África"? 

Um dos fatos sobre os quais se falam com mais orgulho em tantos depoimentos é o fato de a África ser o berço da humanidade, ser onde tudo começa. É um nome obviamente forte na cabeça das pessoas, por vários motivos, retratado em músicas e noutras formas de expressão cultural. Nós achamos interessante existir uma mãe África nessa história. Quando se fala que não existe só uma África, é porque ela é muito diversa, mas ela é uma. Ela é a mãe de toda essa diversidade. Acho que o nome veio um pouco da visão do continente pelos olhos dos seus filhos. A gente queria escutar esses filhos da mãe África para poder ajudar a explicar essa riqueza, essa diversidade dela.

Como foi reunir culturas tão diversas em um filme? 

O maior desafio foi uma dúvida principalmente de recorte cinematográfico. Muitas vezes quisemos mostrar toda a diversidade possível no filme, para quebrar a imagem de um estereótipo só. Esse é o grande desafio: como fazer isso sem ficar rasteiro demais. Talvez tenha sido a maior dificuldade na época, e até hoje é o maior questionamento que a gente faz: o quanto ele [o documentário] poderia ter mergulhado com mais profundidade sem perder o propósito de ser diverso. 

Que conselho você daria a estudantes ou jovens profissionais que pretendem fazer um documentário sobre uma cultura diferente da deles? 

Primeiro, formar uma equipe que respeite as diferentes posições. Ter gente local foi fundamental o tempo todo, é muito importante. Tive uma oportunidade muito grande de ter ficado por um tempo razoável ali antes. Mas, quando você chega de repente e fala "vou fazer um filme sobre uma tribo indígena" e a primeira vez que você vai para lá é no dia da filmagem, vai ser sempre muito difícil, por mais que você estude. Então, quanto mais tempo de convivência, estudo, pesquisa e ouvido aberto. melhor. Esse filme é sobre ouvido aberto. A gente quis valorizar a voz das pessoas. Por isso, não tem narração, nem um apresentador. A gente não se sentiu no papel de ensinar alguma coisa, de trazer alguma mensagem do nosso lado, a gente queria que o africano fizesse isso. O filme é uma janela para que o africano pudesse passar a mensagem que ele queria passar, ou melhor, os africanos puderam fazer isso.

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Texto de Yasmin Capistrano


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