As crises política – com constantes ameaças à democracia – econômica e sanitária, que vêm provocando semanalmente a morte de 15 mil brasileiros vítimas da Covid-19, estão ligadas, em grande parte, ao fenômeno da comunicação que é praticada no país. A afirmação foi feita durante a aula inaugural do Departamento de Comunicação ministrada nesta segunda-feira (22/3) por Wilson Gomes, professor titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Com o tema “Comunicação e Democracia no Brasil Contemporâneo” (clique aqui para assistir à aula inaugural), Gomes discorreu sobre como a extrema direita conseguiu aproveitar o domínio sobre as mídias sociais para mobilizar uma parcela minoritária da população na propagação de discursos populistas e identitários, a exemplo do que vem ocorrendo em outros países. Apesar do contexto desfavorável nos últimos anos, o professor da UFBA vê uma recuperação da credibilidade do jornalismo profissional desde o início da pandemia.
A aula inaugural foi aberta pela diretora do Departamento de Comunicação, professora Tatiana Siciliano, que enfatizou a importância do tema no momento em que o país enfrenta “o avanço de práticas autoritárias e desrespeito à vida”. Ela destacou que o professor Wilson Gomes é um parceiro do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da PUC-Rio desde a implantação da Pós e no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Digital (INTC-DD), uma rede de laboratórios e centros de pesquisa que reúne 26 grupos de 20 instituições nacionais e 23 grupos internacionais. Um deles, comandados pelo professor Arthur Ituassu, coordenador do PPGCOM/PUC-Rio, que fez a mediação da palestra. Ele lembrou a importância de Wilson Gomes, como coordenador de área na CAPES, na formação e construção do Programa na PUC-Rio.
Extremismo político e Comunicação
O professor Wilson Gomes iniciou sua palestra afirmando que a comunicação está diretamente ligada às crises que o país enfrenta, em especial a tragédia sanitária, Embora aparentemente as soluções devessem estar a cargo dos políticos, economistas e profissionais de saúde, as transformações na comunicação nos últimos anos permitiram a chegada ao poder de uma minoria de extrema direita que vem conduzindo os destinos do país.
“Parece que é um problema que não nos diz respeito, a nós da comunicação. Mas o que estamos enfrentando é igualmente um problema de comunicação”.
Para Gomes, o fenômeno das fake news coincide com o aumento da influência da extrema direita, que conquistou seguidores devido a características que encontraram apoio dentro de setores da sociedade. Entre elas, o populismo, que estabelece uma comunicação “febril, constante, com o povo”. Outra característica é a identitária, que apresenta não apenas uma posição política, mas moral. Mostra-se como parte de uma minoria perseguida, “uma tribo minoritária cercada por adversários de todos os lados”.
Nesse sentido, segundo o professor Wilson Gomes, para mobilizar seus seguidores, a extrema direita recorre ao domínio que tem do uso das mídias sociais, disseminando narrativas – termo que considera desgastado – enredos histórias, fake news, teorias da conspiração e enquadramentos. De acordo com Gomes, essa é a forma de ganhar apoiadores.
“A extrema direita se insemina por meio de imagens públicas. Precisa demonizar a esquerda e o centro, com a construção do inimigo, do mal metafísico, a esquerda, o centro, o globalismo e o comunismo”. O professor da UFBA identifica outra importante característica é a manipulação dos
grandes sentimentos, como medo, ódio, esperança e desespero, Essa manipulação acontece naturalmente com uso das plataformas de comunicação que domina. Wilson Gomes afirma que a extrema direita é um fenômeno político baseado na comunicação: “Se você tirar a comunicação, não há a extrema direita”.
Jornalismo
Durante a aula inaugural, o professor Wilson Gomes destacou que o jornalismo profissional está entre os maiores adversários da extrema direita, assim como a ciência, o conhecimento e a arte. Em sua avaliação, o jornalismo é combatido porque lida com fatos.
“O jornalismo precisa ser demolido para poder ser construída em seu lugar uma ecologia midiática de extrema direita, com sites de fake news, de teorias da conspiração, com produtores de conteúdos falsos nas mídias sociais e distribuidores nos grupos de whatsapp”.
O professor afirma que, em oposição às noticias corretamente apuradas, esses produtores negaram o vírus, sabotaram as medidas científicas e divulgaram medicamentos sem eficácia comprovada, utilizando-se de uma comunicação que prejudica os outros setores envolvidos no combate à pandemia. Além disso, as campanhas de desinformação contribuíram para a não cooperação da sociedade. Wilson
Gomes destaca que “todas essas práticas de comunicação que permitiram com que chegássemos a essa situação não foram feitas pelo pessoal da comunicação. Isso foi feito pelo pessoal da política, pelos militantes, os ativistas”. Ele lamenta que o jornalismo, por mais estruturado que seja, não consegue se defender da desinformação. “Todo dia é um 7 x 1 das fake news sobre o jornalismo de apuração”.
Ao responder a uma pergunta, Wilson Gomes defendeu que a comunicação “encontre meios para nos tirar desse atoleiro”. Ele reconheceu que a imprensa está fazendo um grande trabalho durante a pandemia. “Nesse setor, especificamente, os apresentadores do Jornal Nacional assumiram o Ministério da Saúde e passaram a cuidar da saúde dos brasileiros devido à ausência de qualquer autoridade”. Gomes destacou que outros jornais passaram a se afastar do bolsonarismo ao perceber que a ameaça não era só à democracia, mas à própria vida.
“Se não houvesse jornalismo de qualidade em 2020 e 2021, não sei onde estaríamos. O jornalismo tem que continuar a fazer um bom trabalho. Sociedades com maior ‘transferência’ ao jornalismo são sociedades mais imunes ao vírus das fake news”, concluiu.
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